James Kimmel
O que aconteceu com as mães? toca de forma profunda e sensível a alma da maternidade. De maneira singela e brilhante, ele nos remete ao néctar do maternar, onde a relação mãe-bebê, agora tão envolta de intervenções e dúvidas, era absolutamente natural, intuitiva e nutridora.
Mas este livro vai muito além do que aconteceu com as mães. Ele nos revela de que forma o passar dos tempos soterrou nossa ancestralidade e levou ao que a humanidade está vivenciando atualmente: algo muito distante de sua própria natureza materna.
Com amor e inspiração, este livro foi traduzido por meu marido para mim, para você, para todas nós que almejamos por uma maternidade viva, presente e verdadeiramente bela.
James Kimmel, com muita sutileza e perspicácia, conseguiu alcançar o que há de mais sagrado na essência do feminino: a maternidade. Sua vida e obra foram de extremo valor, James, e de todo coração, meus agradecimentos.
Desejo a nós uma terna e doce jornada.
Flora Ribeiro
No passado, todos tinham uma mãe. Eles não apenas nasciam de uma mãe, mas tinham uma mãe que cuidava deles depois que nasciam. As mães, então, eram especialmente importantes para os bebês, uma vez que eles não conseguiriam viver a não ser que suas mães os cuidassem. No início, um bebê não sabia disso. Mas o que ele sabia (ou, mais precisamente, sentia) era que a mãe era aconchego, conforto, plenitude e completude.
Conforme o bebê se tornava uma criança, a mãe ia sendo associada ao que era bom e ao que era certo. A mãe era boa e era bom estar com a mãe. Algo parecia estar errado se a mãe não estivesse lá. Mas, naquele tempo, a mãe sempre estava lá. Os bebês eram amamentados toda vez que choravam. Suas mães os tinham constantemente no colo e, à noite, eles dormiam junto de suas mães. As mães também levavam seus bebês com elas onde quer que fossem: para se banhar num rio, lago ou riacho, para coletar comida e prepará-la, ou para visitar os amigos. A mãe sempre estava lá porque seu bebê estava com ela enquanto ela trabalhava, comia, brincava, e até mesmo quando fazia amor.
E as mães não se importavam de que seus bebês sempre estivessem lá. Elas se importariam se seus bebês não estivessem com elas. As mães tampouco se importavam de serem mães. Ser mãe era bom. O sentimento daquilo era bom e todo mundo achava que aquilo era bom, e realmente era – bom para as mães, para os bebês e para todos.
Tudo o que eu disse até agora foi verdade há muito, muito tempo atrás, quando os seres humanos, como todos os outros animais, viviam no mundo natural. Os humanos, antes de terem criado seu próprio mundo artificial, eram parte da natureza. Eles não eram separados dela como são agora. Sendo parte da natureza, as mães cuidavam de seus bebês do jeito que era natural aos humanos. Elas davam de mamar aos seus bebês por muitos anos. Os bebês cresciam fortes com o leite de suas mães, e as mães se orgulhavam de poderem produzir leite para os seus bebês. Além de terem bebês saudáveis, uma outra coisa acontecia em virtude das mães os amamentarem por tanto tempo. À medida que cresciam, os bebês sabiam que havia alguém ali para eles, alguém que se importava com eles e que queria vê-los felizes e contentes. Todas as crianças cresciam sentindo que estavam a salvo e protegidas, e certas de que sempre haveria alguém a quem recorrer se estivessem assustadas, inseguras, com problemas, ou apenas precisando de conforto. Elas sabiam que não estavam isoladas no mundo.
Muito, muito tempo atrás, as crianças não tinham medo de suas mães. As mães não batiam nem davam palmadas nos filhos. Elas nunca os puniam. Na realidade, se as mães de muito tempo atrás vissem como as mães de hoje em dia batem nos filhos e gritam com eles, ou como os mandam pra cama sem o jantar, elas pensariam que essas mães eram loucas. As mães de muito tempo atrás acreditavam que as mães deviam proteger os filhos e não feri-los – nem mesmo ferir seus sentimentos.
As ideias das pessoas de hoje em dia a respeito de bebês, filhos e mães, são diferentes daquelas das pessoas de muito tempo atrás. Hoje em dia, as pessoas acreditam que a principal tarefa de uma mãe é treinar seu filho (começando quando ele ainda é um bebê) para que cresça direito – mesmo se às vezes isso signifique feri-lo. Elas também acham que se as mães estivessem sempre com seu bebê, dormindo com ele e o carregando o tempo todo, nunca o punindo ou o disciplinando, conforme fosse crescendo ele ficaria mimado e não conseguiria conviver com as pessoas, e nem sequer saberia como ficar sozinho. Ele se acostumaria a fazer sempre o que quisesse, de modo que não obedeceria aos seus professores na escola nem outros adultos. Ele também se acostumaria a ter sempre o que quisesse, e então gastaria todo o dinheiro de seus pais com a compra eterna de brinquedos, doces e tudo o que visse e desejasse. Mas é mais provável que nem sequer chegasse a crescer porque, certamente, ele correria na frente de um carro e morreria atropelado por conta de sua mãe o deixar fazer tudo o que quisesse.
Se apesar de tudo isso ele conseguisse sobreviver e chegasse a crescer, acabaria se tornando um egoísta, e nunca trabalharia ou faria qualquer coisa de valor por esperar que todos, incluindo o governo, o sustentasse e cuidasse dele. Ele inclusive nos faria perder guerras porque, mimado como era, não estaria disposto a lutar por nossa liberdade.
Algumas pessoas acham que se os filhos fossem cuidados por suas mães do jeito que eram há muito, muito tempo, eles não iriam querer crescer; iriam permanecer apegados às suas mães para sempre. Talvez achem isso porque, para essas pessoas, ter uma mãe assim seria tão legal que ninguém em perfeito juízo estaria disposto a abrir mão de uma coisa tão boa. O que elas parecem não saber é que ter uma mãe assim, do jeito que a natureza planejou, é a única maneira de você realmente crescer. Veja, se você teve uma mãe de verdade, não precisará de uma quando ficar mais velho. Você poderá passar para a próxima etapa de se tornar uma pessoa responsável e adulta como sua mãe, alguém que, por ter sido cuidado, acha natural cuidar dos outros.
Existem pessoas que consideram que ter uma mãe que esteja sempre lá para elas seja algo ruim; acredito que elas só achem isso porque nunca tiveram uma mãe assim. E também acredito que, porque não tiveram uma mãe assim, não querem que mais ninguém as tenha. Sei também que, quando deixamos o mundo da natureza, algo foi perdido. Muitos concordariam comigo nessa, mas diriam que o que perdemos foi o paraíso. Eles estão errados. O que perdemos foi a mãe e a nossa fé no crescimento humano natural através do maternar.
Uma coisa de que podemos ter realmente certeza é que, assim que as pessoas começaram a se tornar civilizadas, elas passaram a ver os bebês e as crianças de modos muito estranhos – muito parecido a como viam as ovelhas, os porcos e as vacas que criavam. Tudo indica que as crianças vieram a ser tidas como naturalmente más, e as pessoas começaram a acreditar que elas não cresceriam direito se fôssemos bons com elas. Eu acho que é daí que vêm ditados como “poupe a vara e estrague a criança”, ou ideias como “pegar um bebê sempre que ele chora o tornará mimado”. Ainda mais estranho pra mim é o motivo de as pessoas terem começado a substituir as mães pelas amas de leite, babás, governantas, e pelo leite ou fórmula em mamadeiras com bicos de borracha. Acho que elas pensavam que havia algo errado com o maternar natural. Ou talvez soubessem o que estavam fazendo. Elas podem ter decidido que, se fossem boas com os bebês e as crianças, seria difícil quando crescessem viverem no mundo cruel e indiferente que os humanos criaram depois que deixaram o mundo da natureza. E talvez também soubessem que as mulheres realmente gostavam de amamentar e de cuidar de seus bebês, e que ficariam tão envolvidas nisso que não teriam tempo de lavar a louça ou de limpar a casa, ou que sequer desejariam ficar muito com seus maridos.
Mas uma coisa eu sei. Eu queria ter tido uma mãe que tivesse cuidado de mim do jeito das mães de muito, muito tempo atrás. Você não? Quando penso nisso, tenho o mesmo sentimento de quando ouço a canção “Pra onde foram todas as flores?”* – uma espécie de tristeza e solidão. E me faz pensar: “Pra onde foram todas as mães?”
* “Where have all the flowers gone?” é uma canção folk lançada em 1961 nos Estados Unidos, composta por Pete Seeger e Joe Hickerson. Foi cantada por diversos artistas, entre eles Joan Baez e o trio Pete, Paul and Mary. (Nota do Tradutor)